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Por mais difícil que seja, tudo depende do livre arbítrio

Vinte anos após o casamento, Yitschak e Rivka tiveram gêmeos. Não somente gêmeos, mas também duas crianças que desde a graidez de Rivka, discutiam sobre a divisão do mundo.
 
A discussão entre os dois irmãos já começava desde a presença deles dentro do ventre de Rivka, conforme consta na Torá (Bereshit 25:22): “os meninos corriam dentro dela”. Chazal dizem, que quando Rivka passava na porta de um Beit Midrash, Yaakov se mexia querendo sair, e quando ela passava na porta de um centro de idolatria, Essav se mexa para sair. Essas palavras procuram enfatizar o contraste entre os irmãos. Deve-se enfatizar que a polaridade no comportamento diferente de Yaakov e Essav, tão evidente em suas vidas, reside em uma personalidade que é única para cada um deles.
 
Assim que Essav saiu para o mundo, sua forma única era evidente (Bereshit 25:25): ” E saiu o primeiro ruivo…”. Sua aparência testemunhou seu interior, conforme consta nas palavras de Rashi: “sinal que será assassino”. Daqui vemos que esta virtude estava presente na sua própria essência. Daqui surge uma pergunta trivial: se este era o destino de Essav, será que o livre arbítrio foi tirado dele? Será que ele não teve oportunidade de escolher o seu caminho de vida. Sem o livre arbítrio, não há lugar para recompensa e punição!!! Portanto, por que a Torá se relaciona a Essav de modo negativo?
 
Mas a verdade é diferente. Embora Essav tivesse virtudes negativas, ele não estava, afinal, destinado a ser malvado e perverso. O livre arbítrio sempre esteve aberto para ele, do mesmo modo que nunca está fechado perante a ninguém. Se ele fez o mal, foi simplesmente por livre e espontânea vontade.
 
Essav na verdade tinha péssimas virtudes que facilmente lhe inclinam ao mal. Porém caso fizesse um trabalho pessoal super esforçado, seria capaz de superar estas virtudes e aproveitá-las para o bem.
 
A missão de vida de Essav, era ter o mal dentro dele e mesmo assim afastar-se dele. A missão de vida de Yaakov, era de ter o bem dentro dele, e crescer aproveitando as boas qualidades. Yaakov aproveitou sua missão e chegou a ser o terceiro e preferido dos patriarcas, enquanto Essav não aproveitou sua missão e deixou-se dominar pelo mau instinto (Yetser Hará).
 
(Isto não significa que a missão de Essav foi mais difícil do  que a de Yaakov, pois cada um recebe a força e os instrumentos necessários para cumprir sua missão. Somente temos que detectar nossa missão, aproveitar os instrumentos concedidos e cumprí-la. E não só isso, de certo aspecto, a missão de Yaakov é mais difícil do que a de Essav. Pois Essav tem tendências malignas dentro dele, e caso decida seguir o bom caminho, detectar o mal, já é meio caminho para afastar-se dele. Porém Yaakov, tendo
 
como base as boas tendências pessoais, poderia se acomodar nelas dizendo que já não precisa tanto esforçar-se, pois já detém com eles as boas qualidades e condutas).
 
Essav representa a vida do “agora”, aproveitando ao máximo possível todos os prazeres que o “agora” pode fornecer. Isto significa, que caso haja contradição entre valores éticos e profundos que “aconselham” a pessoa a não ter proveito “agora” para não ultrapassar tais valores, a ânsia de ter proveito do desejo prevalecerá a tal ponto que os valores morais serão simplesmente menosprezados. A vida de Yaakov, representa justamente o oposto, os valores morais e espirituais são mais éticos do que ter proveito de algo “agora”. Portanto, é muito mais valioso para Yaakov, absorver para sua personalidade os valores transmitidos por seu pai Yitschak e por seu avô Avraham.
 
Quando os gêmeos cresceram, ficou nitidamente claro que Yaakov absorveu os valores ensinados por seu pai e por seu avô e Essav menosprezou tais valores. Assim consta na Torá (Bereshit 25:27): “E os moços cresceram, Essav tornou-se um perito caçador, homem do campo, e Yaakov um homem íntegro que habitava nas tendas (estudando Torá)”.
 
Em pouco tempo, a visão do “agora” foi plenamente expressa, justamente no dia em que Avraham Avinu havia partido para o outro mundo. Assim relata a Torá (Bereshit 25:29-34): ” Yaakov havia cozido um guisado (sopa de lentilhas), e Essav veio do campo e ele estava cansado. E Essav disse a Yaakov: enche minha boca dessa coisa vermelha, pois estou cansado… . E disse Yaakov: vende, tão claro como o dia, tua primogenitura para mim. E Essav disse: eis que caminho para a morte, de que me servirá a primogenitura?…e vendeu sua primogenitura…e ele (Essav) comeu e bebeu, levantou-se e se foi, e Essav desprezou a primogenitura”.
 
Assim que Essav nasceu, ele era todo vermelho, com se tivesse sido coberto por uma capa de cabelo, porém, mesmo assim, ainda não foi chamado de Edom (vermelho). Este nome foi dado a ele, somente após que ele pediu por desejo descontrolado, que lhe derramassem a sopa direto em sua garganta. A partir do momento que ele por sua livre escolha, pediu que lhe derramassem sopa direto na boca, então lhe foi dado o nome de Edom (vermelho).
 
Essav, o homem que cultiva totalmente a existência e prazeres deste mundo, procurou algo que lhe concedesse uma proveito imediato, “agora”. Seu slogan é: “Prazeres agora!” Essa é a essência da filosofia do primogênito de Yitschak. Esta foi a sua abordagem da vida, uma abordagem que estava em completa contradição com os ensinamentos de seu avô Avraham. Foi uma satisfação momentânea passageira que não proporcionou conforto para sua alma. Este modo de vida não o aproximou do reino da felicidade, de satisfação pelos desejos recebidos.
 
Ele chegou em casa, “cansado”. Ele tinha matado a Nimrod. O medo pela vingança dos parentes de sua vítima lhe deu a sensação de que sua vida já não tinha nenhum propósito e já estava cansado, “indo morrer”. Este receio, ofusca todas suas realizações.
 
Essav, que é cativado por esse conceito, vende seu direito de primogenitura por um ensopado de lentilhas. A sombra da morte que paira sobre sua filosofia de vida não lhe dá o poder de libertar-se das algemas dos prazeres materiais. A primogenitura é algo abstrato em seus olhos, desnecessário e inútil. A primogenitura simboliza a transcendência humana acima do que é temporário e fugaz, a inserção de eternidade a atividade diária, e ele carrega com ele a felicidade humana. Tudo isso, é visto por Essav, como utopia sem perspectivas. Portanto, consta na Torá (Bereshit 25:34): “E ele comeu e bebeu e levantou-se e foi, e Essav desprezou a primogenitura”. Essav teve desprezo por todos os valores, por simplesmente um prato de sopa.
 
Se Essav tivesse feito todos os esforços para avançar no reino espiritual, ele teria cumprido seu propósito em seu mundo, e este é o propósito do homem. Não nos resultados desejados, mas sim no trabalho árduo e na vontade de lutar e superar as dificuldades.
 
O papel de cada pessoa neste mundo, é aproveitar todas as virtudes e ferramentas que lhes foram concedidas por D'us, para que possa progredir e subir espiritualmente. Essav reflete a situação oposta. Ele não aproveitou em nenhum momento todas as qualidades e virtudes que lhes foram concedidas por D'us.
 
Essav não teve o mérito de cumprir sua missão e não corrigiu o que precisava corrigir. Portanto, sua tarefa foi colocada nos ombros de Yaakov. Portanto, Yaakov serve a D'us segundo suas próprias virtudes, e segundo as virtudes de seu irmão.
 
Quando Yaakov fugiu da ira de seu irmão por ter recebido as brachot de Yitschak, ele ficou quatorze anos no beit midrash de Shem filho de Noach, antes de ir para Charan onde seus pais lhe haviam mandado para fugir de Essav e para construir sua própria família.Yaakov queria direcionar suas forças somente para o bem, agarrando na árvore da vida. Porém, pelas circunstâncias teve que usar também algumas das virtudes de Essav (com muita cautela para que não seja influenciado pelo mal), para que possa dominar as barreiras daqueles que queriam impedir de cumprir sua missão original ( Lavan quando esteve trabalhando em sua casa, e Essav ao encontrá-lo após tantos anos).
 
Consta no Talmud (Chaguigá 15a) que, se o tsadik (justo) tem o mérito de cumprir sua missão no mundo, ele recebe sua própria recompensa no mundo vindouro e também a recompensa do perverso, que não cumpriu sua missão. Isto não é um presente gratuito para o tsadik, pois caso o perverso não cumpra sua missão aproveitando suas virtudes para fazer o bem, este papel cai nos ombros do tsadik que com muita astúcia e delicadeza, traz o bem ao mundo através das virtudes do perverso, sem que estas virtudes lhe inclinem ao mal.
 
Isso abre uma janela para entender o porque de Yaakov casar com duas irmãs, Rachel e Lea, e que das duas (e de suas servas) foi construído o povo de Israel.
 
A Torá explica (Bereshit 29:17): “Os olhos de Leah eram suaves e Rachel era linda e bonita.” Por que a Torá achou necessário notar que os olhos de Lea eram suaves? . No Talmud (Baba Batra 123a), consta que Léa pensava que seria a esposa de Essav, já que ela era a primogênita de Lavan e Essav era o primogênito de Yitschak. Sabendo que ele era perverso e malvado, ela chorou bastante para que isso não aconteça. Por incrível que pareça sua reza foi aceita e ela também foi esposa de Yaakov.
 
Rachel a princípio era destinada para ser a esposa de Yaakov e Léa para ser a esposa de Essav, e somente por causa de suas lágrimas (que tornaram seu olhos suaves e delicados), mudou seu destino. Pelo mérito das lágrimas ela saiu do “destino do mal” para o “destino do bem”.
 
A missão de Léa era de dentro das entranhas do mal, elevá-lo para o bem, caso Essav escolhesse usar suas virtudes para fazer o bem. Através de sua persistência e de suas lágrimas, ela elevou o mal (que era sua parte para elevar Essav) para o bem, por ser “acompanhante de vida” de Yaakov. Portanto, Essav, por não ter cumprido seu papel de elevar o mal para o bem e por sua livre e espontânea vontade, utilizou sua virtudes para se aprofundar no mal, junto com o choro e a persistência de Léa de não ser parceira deste perverso, ela teve o mérito de ser uma das matriarcas do povo  de Israel.
 
 
 

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